Cachorros, carros e concretos.

-Você veio mesmo! Respirei fundo. Lá estava eu com os carros por cima da cabeça. Às cinco horas da tarde o lugar é escuro, úmido e o ar cheira a urina e chulé. No chão, papelotes, sacolas, colchões e farrapos.
De todos os lados surgem carros. É um lugar de passagem. Daqui se pode chegar ao sucesso profissional do centro universitário; às aulas de natação; aos bairros que trocam de sufixos: cohama, cohatrac, cohafuma, cohajap e cohab ; ou mesmo tomar um sorvete nos empreendimentos da Wall- Mart; ou ainda ir a Casa do Senhor.
Quase tudo está de passagem por aqui, menos os cachorros que vêm visitar velhos ou novos amigos, isso quando a AMADA uma associação que ama cachorros não os resgata pois eles sentem fome, frio, não tem um lar e ainda correm o risco de serem atropelados.
A construção é recente, tem cara de ponte mas como água por aqui só do esgoto, chama-se elevado. Eleva-se por vários motivos: crescer, subir o nível, se colocar no alto. Neste caso se elevou para dar lugar aos carros.
Cidades pequenas que desejam ser grandes precisam acomodar os carros. Carros por cima e teto por baixo para os cachorros e seus amigos. Debaixo do teto não há árvores, pássaros, brisa, paisagem e nem da para ver o pôr-do-sol. Não é lugar para turista ver, visível aqui só mesmo os cachorros, carros e concretos.
Gentilmente ele me convida para sentar no seu banco, a calçada, lugar onde ele come, dorme e também recebe amigos. Ao meu lado, o cahorro.